Santos depende de talentos individuais

Um dos desafios do Santos nas últimas temporadas sempre foi encontrar uma forma de jogo que conseguisse equilibrar as características dos jogadores “comuns” do elenco com os rápidos e habilidosos garotos – que são produzidos quase que em série nas categorias de base do clube praiano. A missão, apesar de soar como fácil, tem sido bastante adversa ao alvinegro, que mais uma vez, agora sob batuta de Dorival Jr, tenta montar um time que consiga ir além da velocidade e do talento individual desses meninos.

Para não irmos muito longe e este texto não se tornar mais extenso do que deveria, basta buscarmos relembrar como jogavam as equipes de Enderson Moreira e Marcelo Fernandes nas últimas temporadas do Peixe. Eficientes no um contra um, ágeis, cheias de velocidade, mas que tropeçavam e muito no controle e na criação, o que rendia uma falta de conjunto latente.

Um time sem conjunto costuma ser presa fácil de uma marcação bem feita por parte do adversário que enfrenta. Quando a individualidade dos meias envolventes e dos atacantes dribladores não estava exacerbada, os últimos times do Santos costumavam sofrer mais do que o necessáriopara sair de campo com algo além de um empate. Hoje, Dorival tenta reverter essa característica, mantendo a filosofia do clube, claro (algo importante no processo de construção de um identidade com o torcedor), mas dosando com a sua visão própria do jogo.

Dorival Jr tenta dar conjunto ao Santos
Dorival Jr tenta dar conjunto ao Santos

Entendo que esse é, de fato, o jeito mais interessante de implementar um modelo de jogo em um clube de futebol por parte de um treinador. É preciso entender a alma do lugar e dosá-la com a sua característica. Dorival segue à risca as instruções de um manual que não existe, mas que poderia existir. Se vai dar certo ou não, só o tempo irá dizer – como diria aquele folclórico comentarista.

Além da excessiva dependência da individualidade dos homens de frente, o Santos, desde que encontrou em Lucas Lima um meia armador, também passou a ser um pouco refém do estilo de jogo do camisa 20. A época de Marcelo Fernandes foi a mais crítica nesse sentido. Em um time desestruturado conceitualmente – e taticamente -, Lucas Lima, hoje na Seleção, fazia praticamente tudo sozinho no meio de campo do alvinegro. Criava, dava amplitude, acompanhava lateral, infiltrava. Não que isso seja algo ruim, muito pelo contrário, é justamente aquilo que ele faz de melhor. Entretanto, a obrigação de fazer isso sozinho e durante todos os jogos do time era um erro, e algo facilmente identificável por qualquer treinador minimamente estudioso.

A mudança no “jeitão” do Santos jogar foi lenta, e iniciou-se com a entrada do meio campista Renato na equipe titular. Mesmo veterano, a forma do jogador ex-Sevilla atuar dá ao Santos um controle de jogo e uma qualificação no primeiro passe que desafoga e dá campo – espaço mesmo – aos homens mais diferenciados do time, que são os meias ofensivos e os atacantes, indiscutivelmente no caso do time da Baixada.

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Veterano, mas talentoso. Renato titular abriu a discussão sobre a construção das jogadas no Peixe

Nem tudo foi da água ao vinho, claro, até porque uma mudança conceitual tão significativa dentro de um modelo de jogo, quase que institucionalmente padronizado, tende a ser gradual. Nomes como Alison, Lucas Octávio e até mesmo em certos jogos a improvisação do zagueiro Paulo Ricardo como homem de meio de campo seguiram sendo comuns dentro das escalações do Santos já sob comando de Dorival. Porém, aos poucos, Thiago Maia surge consolidado e a mudança na forma de construir e lidar com a bola na zona central do campo passa a ser quase que definitiva. É, inegavelmente, a partir desse momento, um novo Santos. É o time que ainda consegue ser envolvente, rápido, incisivo, agudo, como deve ser, mas que agora tem inteligência e controle de jogo nos momentos mais importantes, como quando é preciso furar bloqueios defensivos com alto número de jogadores ou ter a posse de bola para evitar gols. E você acha que parou por ai?

Se engana quem pensa ser a introdução de Renato e Thiago Maia as únicas mudanças conceituais que Dorival aplica no Santos. Neste atual Campeonato Paulista, outros nomes, com outras características de jogo surgem com força. O que eu mais gosto já estava na Vila, mas subutilizado, que é o Rafael Longuine. Meia ofensivo, Longuine dificilmente teria espaço se continuasse limitado a posição de origem, principalmente por causa da sua concorrência. Ainda com Marcelo Fernandes, Longuine passou a jogar mais atrás, construindo a jogada. Lembro de sua primeira partida na função: um clássico contra o Corinthians no Brasileirão do ano passado, em casa. Por falta de opção e não por convicção, ele jogara ao lado de Thiago Maia. Mesmo sendo expulso com dois amarelos, a partida foi espetacular em termos de dinâmica.

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Rafael Longuine é um dos que compõem a nova forma de encarar o jogo por parte do Santos

Jogar mais atrás posicionalmente já não é algo estranho para Longuine, tanto que ele vem ganhando seguidas chances de jogar por ali nesta temporada. Assim como Serginho e Vitor Bueno, esse último ainda em um processo parecido com o de Rafael Longuine no passado, um outro meia originalmente ofensivo aos poucos sendo trazido para participar do início da jogada, equilibrando ações e a dinâmica dos movimentos do principal setor do jogo.

O Santos ainda é um time cheio de problemas defensivos, mas que tem mudado, e muito, sua cara desde que Dorival voltou ao clube. Como dito, a raiz foi meio que sem querer, mas ajudou de certa forma a despertar a ideia de que era possível equilibrar ações e ideias para obtenção de resultados mais coesos, partidas mais consistentes. O Santos tem se transformado justamente nisso: um time coeso. Com falhas, problemas, mas com ideias e peças bem diferentes do que estávamos nos acostumando, tanto no aspecto de definição quanto agora ainda mais no processo de construção e controle. Finalmente existe conjunto no Santos.

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