
O dia em que Larsson saiu do banco para mudar a história do Barcelona
“As pessoas sempre falam sobre Ronaldinho, Eto’o, Giuly e tudo isso, mas eu não os vi hoje. Eu vi Henrik Larsson. Ele entrou em campo e mudou o jogo, isso foi o que matou a partida. Algumas vezes vocês falam sobre Ronaldinho e Eto’o, s pessoas gostam disso. Mas vocês precisam falar sobre o verdadeiro jogador que fez a diferença, e nesta noite ele foi Larsson”.
As palavras de Thierry Henry, cabeça quente após perder a decisão da Liga dos Campeões, não deixam muitas dúvidas sobre o que aconteceu no Stade de France durante aquele 17 de maio de 2006. No Brasil, o segundo título do Barcelona na competição quase sempre é lembrado por Belletti. É claro, o camisa 2 desfrutou de seu protagonismo, anotando o gol decisivo na vitória por 2 a 1 sobre o Arsenal aos 35 do segundo tempo, apenas nove minutos depois de sair do banco. Mas assista de novo ao lance, repare bem na jogada. E perceba a importância de Henrik Larsson, puxando a marcação de Sol Campbell antes de dar a assistência. Ou veja de novo o primeiro gol, quando o sueco desvia inteligentemente a bola para deixar Samuel Eto’o na cara do gol. Larsson esteve em campo por pouco mais de meia hora. O suficiente para garantir os blaugranas no topo da Europa.
A experiência e a qualidade técnica de Larsson não deixavam dúvidas sobre a sua capacidade de decisão. Aos 34 anos, já atravessara diversos momentos de pressão na carreira, da Copa de 1994 aos grandes clássicos defendendo o Celtic. Ainda assim, não era o nome mais cotado para ser o herói do Barcelona em Saint-Dennis. Contratado na temporada anterior, após encerrar o seu vínculo com os escoceses, o centroavante veio como uma opção a mais no elenco de Frank Rijkaard.
“Quando saí do Celtic, 32 clubes manifestaram interesse na minha contratação. Mas eu não queria fazer nada antes de conquistar a Champions. Eu sabia que, se vivesse um bom final no Celtic, algo bom poderia vir. Eu fiz isso, mas nunca esperava que o Barcelona me ofereceria uma chance. Os jogadores que eles tinham quando eu cheguei eram fantásticos. Eu era visto como uma peça para compor elenco. Conversei com Rijkaard e ele me disse que precisava de alguém com um pouco mais de experiência, porque tinha um time jovem. Eu sabia o que isso significava. Eu estava completando 33 anos e senti que poderia conviver com isso. Mas eu era um jogador que nunca sentiu nada impossível. Eu disse a mim mesmo: ‘Você precisa se dar uma chance, fazer o seu melhor. Tente virar titular’”, relembra, em entrevista ao The Sun.
A primeira temporada de Larsson no Camp Nou, entretanto, acabou cedo. Justo no clássico com o Real Madrid, o sueco sofreu uma grave lesão no joelho e precisou passar seis meses em recuperação. Ainda assim, os blaugranas optaram por renovar o seu contrato por mais um ano. Talvez não esperassem o tamanho do acerto, diante do que aconteceria na sequência de 2005/06. O centroavante marcou 10 gols em La Liga, além de mais quatro na Champions. Todavia, passar em branco na final não se mostrou um empecilho para se consagrar.
“Quando me lesionei, sabia o trabalho que teria que fazer, porque desejava voltar em meu máximo, e não mais ou menos. Sou contente pelo que fiz, porque se não tivesse feito isso, eu nunca poderia conquistar a Champions. Aquele foi meu momento de fazer algo a partir do banco. Eu sabia que, se ganhasse a minha chance, estaria apto a fazer algo”, pontua. Do lado de fora, Larsson viu Jens Lehmann deixar o Arsenal com um jogador a menos a partir dos 18 minutos do primeiro tempo, expulso por uma falta fora da área. Mas também sofreu com o gol de Sol Campbell aos 37, que deixou os Gunners em vantagem no placar. A primeira alteração de Rijkaard aconteceu na volta para o segundo tempo, tirando Edmilson para a entrada de Iniesta. Ainda assim, o Barcelona precisava de mais.
“Aquele era o meu momento. Eu sentei no banco e assisti à forma como os defensores do Arsenal estavam jogando, como eles se movimentavam. Eu estava pronto para atuar naquela partida e eu fui afortunado o suficiente para entrar e dar duas assistências para os gols que nos fizeram ganhar”, analisa Larsson. O sueco pisou em campo aos 16, substituindo Van Bommel. Oferecia uma configuração muito mais ofensiva ao 4-3-3 blaugrana, recuando Ronaldinho ao meio e deslocando Eto’o para a ponta esquerda. Referência na área, Larsson também garantia mobilidade e muito combate. Além, é claro, da inteligência que se provaria tão decisiva.
O gol de empate, aos 31 minutos, começou com um grande passe de Iniesta. E contou com Henrik Larsson usando o seu corpo no pivô, mas também a antevisão para ver a brecha na defesa do Arsenal, o espaço que Eto’o ocuparia para estufar as redes. O baque desestabilizou os Gunners. Para, instantes depois, o sueco aproveitar aquilo que tinha observado do lado de fora. Deixou mais espaços na defesa adversária ao rumar à lateral e escancarou uma avenida para Belletti decretar a virada. A cada lance individual do sueco, é possível perceber a maneira como ele trabalhou para desconstruir o jogo defensivo montado por Arsène Wenger.
“Ser parte daquilo, às vésperas de completar 35 anos, foi fantástico. Ganhar a Champions League foi o ápice da minha carreira, o maior título que você pode conquistar por um clube. Na minha idade, tudo aquilo parecia um conto de fadas”, destaca. Aquela final ainda marcou o adeus de Larsson com a camisa do Barcelona. O camisa 7 já havia decidido voltar para casa, defender o Helsingborgs, um dos primeiros clubes de sua carreira – e do qual hoje é técnico. A gratidão dos catalães depois daquela noite inesquecível, de qualquer forma, se eternizou. Algo expresso nas palavras de Ronaldinho: “Ele não é um mero jogador. Ele é uma lenda, um herói e meu ídolo”. Inaugurou um domínio na Champions visível ao longo da última década.