Reino Unido fora da UE. O que pode mudar?

A iminente saída do Reino Unido da União Europeia, após plebiscito favorável à decisão, pode envolver também o mundo do futebol e, em especial, um dos maiores campeonatos do mundo, a Premier League.

Para tentar entender os impactos que o “Brexit” (fusão das palavras em inglês “britain”, diminutivo para Grã-Bretanha, e “exit”, que significa saída) pode causar no futebol mundial, relembramos como o futebol europeu se tornou o que é hoje, a partir do surgimento da Lei Bosman, e qual a sua relação com o futuro do esporte na Inglaterra.

Goleiro do Manchester United, espanhol De Gea também teria seu futuro no clube inglês em xeque com a saída do Reino Unido da União Europeia
Goleiro do Manchester United, espanhol De Gea também teria seu futuro no clube inglês em xeque com a saída do Reino Unido da União Europeia

A Lei Bosman

No ano de 1992, com a instituição da União Europeia, a Comunidade Europeia abria suas fronteiras para que todo trabalhador comum, nascido ou naturalizado em algum país membro, pudesse trabalhar livremente em qualquer outro país do bloco. O futebol, porém, ainda não seguia essa recomendação e criava empecilhos quanto ao número de estrangeiros por equipe. Além disso, os clubes eram detentores do passe dos jogadores.

Dois anos antes, no final da temporada 1989-90, o jogador belga Jean-Marc Bosman estava prestes a ter seu contrato encerrado com o Standard de Liège, da Bélgica, e desejava se transferir para o Dunkerque, equipe da segunda divisão francesa.

O problema é que o Liège ainda era dono do seu passe, mesmo sem contrato, e exigia que o clube francês pagasse pelo atleta. Ao passo em que o Dunkerque se recusou a negociar com o time belga, Bosman foi punido pela equipe dona de seu passe e teve seu salário reduzido em 75%.

Sem nunca ter sido um grande jogador, o belga Jean-Marc Bosman marcou seu nome na história do futebol mundial através da Lei Bosman
Sem nunca ter sido um grande jogador, o belga Jean-Marc Bosman marcou seu nome na história do futebol mundial através da Lei Bosman

Insatisfeito com os rumos da negociação, o jogador buscou seus direitos na justiça e praticamente abandonou a carreira, jogando apenas em clubes de baixo escalão. O caso acabou se tornando um imbróglio judicial que viria a mudar os rumos do futebol europeu e mundial.

Cinco anos depois, após derrotar o seu ex-clube, a UEFA e a Federação Belga no Tribunal de Justiça Europeu, Jean-Marc Bosman inspirou a criação da Lei Bosman: a partir dessa data, os clubes perdiam o direito de ter os passes de seus jogadores e o futebol passava a ser enquadrar na lei trabalhista em vigor na União Europeia. Ou seja, qualquer atleta com passaporte comunitário europeu deixaria de contar como jogador “estrangeiro”.

A decisão aumentou o poderio dos países mais ricos da Europa em relação aos mais pobres, assim como impulsionou o continente como um todo em relação ao resto do mundo, uma vez que, com as leis mais flexíveis,  a contratação de estrangeiros se tornou algo recorrente.

Instituída em 1992, a União Europeia diminuiu as restrições para trabalhadores europeus nos países membros. Em 1995, lei se estendeu ao futebol
Instituída em 1992, a União Europeia diminuiu as restrições para trabalhadores europeus nos países membros. Em 1995, lei se estendeu ao futebol

A Premier League após o “Brexit”

A confirmação da saída do Reino Unido da União Europeia poderia influenciar também nas leis do futebol. Sem pertencer ao mesmo bloco econômico que o restante do continente, o país voltaria a ter restrições em relação aos trabalhadores estrangeiros.

Caso as restrições sejam seguidas à risca, muitos jogadores estrangeiros que atuam nas ligas do Campeonato Inglês teriam que se submeter a um complexo sistema para obtenção de visto de trabalho inglês, uma vez que não se enquadrariam mais nos critérios definidos pela Lei Bosman em 1995, válida somente para países membros da União Europeia.

A partir de 2015, a Football Association (equivalente à confederação inglesa de futebol) criou regras para a contratação de atletas estrangeiros, isto é, sem o passaporte europeu. Apenas jogadores mais velhos e considerados de “alto nível” – em uma fórmula que considera o ranking da FIFA e o número de aparições na seleção nacional – poderiam entrar na cota de atletas sem passaporte.

tabela
Um jogador brasileiro (país em 7º lugar no Ranking da FIFA) só pode jogar na liga inglesa se tiver disputado no mínimo 30% dos jogos da Seleção Brasileira nos últimos dois anos

Com o desligamento do Reino Unido da União Europeia, estima-se que 332 jogadores europeus (ou naturalizados europeus) que atuam na primeira e segunda divisões inglesas, além da liga escocesa, não cumpririam os critérios exigidos pela FA para a concessão do visto de trabalho. Nomes como De Gea, Juan Mata, Kanté Martial e Payet estariam entre eles.

Além dos impactos internos que essa decisão pode causar, grandes clubes de outros países também podem sofrer problemas, afinal, os jogadores britânicos passariam a ocupar uma vaga de estrangeiro em todas as equipes europeias.

Com a concretização do "Brexit", galês Gareth Bale se tornaria um jogador estrangeiro a mais no Real Madrid
Com a concretização do “Brexit”, galês Gareth Bale se tornaria um jogador estrangeiro a mais no Real Madrid

Para tentar entender os impactos que o “Brexit” (fusão das palavras em inglês “britain”, diminutivo para Grã-Bretanha, e “exit”, que significa saída) pode causar no futebol mundial, o Virando o Jogo relembra como o futebol europeu se tornou o que é hoje, a partir do surgimento da Lei Bosman, e qual a sua relação com o futuro do esporte na Inglaterra.

Enquanto a confirmação do “Brexit” seria algo muito ruim para os grandes clubes do continente, equipes de menor porte podem se beneficiar, pois ganhariam espaço no mercado uma vez que as vagas nos maiores clubes seriam mais escassas. Até mesmo o futebol sul-americano pode sair ganhando, já que a medida poderia diminuir o fluxo de jogadores contratados pela Premier League. Em compensação, aos clubes que almejam vender suas estrelas para fazer caixa, haverá uma opção a menos no mercado.

O caso italiano

A situação do futebol inglês, caso as previsões se confirmem, se assemelharia a algo que aconteceu na Itália na década de 1960. Naquela época, os clubes eram muito fortes, mas a seleção vivia tempos de crise: ao passo em que Milan e Inter dominavam o cenário europeu, com os títulos da Liga dos Campeões de 1963, 1964 e 1965, a Azzurra colecionava péssimas campanhas em Copas do Mundo (não passou da primeira fase em 1954, 1962 e 1966 e sequer disputou o torneio de 1958).

Esse cenário fez com o futebol italiano fechasse as portas para os estrangeiros: entre 1966 e 1980, os clubes do país foram proibidos de aceitar atletas de outras nacionalidades, a fim de valorizar a mão de obra italiana. Como resultado, a Itália conquistou a Eurocopa em 1968 e foi vice-campeã da Copa do Mundo de 1970, mas os clubes ficaram praticamente todo esse período sem resultados relevantes no futebol europeu, com apenas dois títulos: o Milan conquistou a Liga dos Campeões em 1969 e a Juventus conquistou a Liga da UEFA (atual Liga Europa) em 1977.

Em uma escala bem menor, é possível imaginar uma situação parecida na Inglaterra. Com menos opções e mais dificuldades para contratar, os clubes vão precisar apostar em jogadores “locais”. Ao mesmo tempo, as equipes estrangeiras vão pensar duas vezes na hora de contratar um atleta britânico. Todo esse cenário pode enfraquecer um pouco o futebol inglês, mas pode fortalecer o English Team, que tem vivido tempos sombrios…

E você? Acha que o “Brexit” será negativo ou positivo para o futebol europeu?

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